Bem Diverso reuniu comunidades tradicionais, parceiros e pesquisadores de 6 territórios, em Brasília (DF)

Mais de 200 pessoas participaram do Encontro Anual do Projeto, que é realizado em parceria pela Embrapa e PNUD. Os três dias de debates permitiram um balanço e propostas de ações do Bem Diverso

Durante esta semana, Brasília foi o ponto de encontro de populações tradicionais de 6 Territórios da Cidadania (TCs) brasileiros: geraizeiros, quilombolas e agricultores familiares, de comunidades atendidas pelo Projeto Bem Diverso, que apresentaram suas experiências e trocaram conhecimentos com pesquisadores e especialistas de diferentes áreas, destacando a importância do uso sustentável da terra e da sociobiodiversidade. O Projeto é fruto de uma parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).

O clima durante todas as mesas foi de muito entusiasmo diante de tantos saberes e experiências que cada um, generosamente, expôs aos mais de 200 participantes. “Eu acredito que essa troca de experiências entre cidade e campo é muito proveitosa. Sempre que eu vou à cidade eu aprendo e sempre que alguém da cidade vai lá nos visitar também aprende muito conosco”, afirmou Joaquina Malheiros, representante da Associação de Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (TC Marajó).

O coordenador do Bem Diverso e pesquisador da Embrapa, Aldicir Sacariot, destacou um dos pilares do Projeto, que alia o conhecimento científico com o saber tradicional das populações atendidas. “Não há mais espaço para o uso convencional da ciência. O Projeto respeita o meio de vida das comunidades e quer entender como elas se relacionam com o ambiente para o uso sustentável da biodiversidade”, disse. Para ele, o Bem Diverso não é a solução, mas trará contribuições significativas para pensar em meios de geração de renda que aliam a conservação e a produtividade da sociobiodiversidade.

A oficial de Programas do PNUD, Rose Diegues, ressaltou que a Embrapa é a parceira ideal para o desenvolvimento das ações do Bem Diverso. “A Embrapa consegue potencializar a pesquisa, ver soluções, produtos, e gargalos com toda a sua extensão territorial”, concluiu.

Na mesa de abertura, o chefe geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, José Manuel Cabral de Sousa Dias, frisou que o Bem Diverso vai de encontro com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU: “o projeto visa a inserção produtiva e a redução da pobreza dessas populações. Para isso, temos que fazer a diferença, agregar valor, mudar a realidade dessas comunidades, subsidiar a formulação de políticas públicas, conhecer as experiências, trocar informações e conhecimentos com essas pessoas”, afirmou.

Biodiversidade e gastronomia
Convidado para abrir os debates no primeiro dia de evento, Roberto Smeraldi, do Instituto ATÁ, apresentou para os participantes conceitos da gastronomia e projetos do Instituto que buscam trabalhar com a sociobidiversidade brasileira de forma sustentável. Ele ressaltou a importância do Bem Diverso por aliar a economia da floresta à demanda de um mercado cada vez mais crescente no Brasil, aquele que valoriza o produto tradicional. “Vivemos um resgate do conhecimento tradicional, com uma dose notável de pesquisa laboratorial”, disse.

Segundo ele, há ainda a ausência de um pacote organizado nas cadeias desses produtos. Pensando nessa questão, o Instituto ATÁ está desenvolvendo em Belém (PA), com a coordenação de Smeraldi, o Centro Global de Gastronomia e Sustentabilidade, que vai transformar produtos da biodiversidade regional em oportunidades de negócios sustentáveis para os diversos atores da cadeia de produção.

Desafios da comercialização
Dialogando com o debate promovido por Smeraldi, representantes de Cooperativas do Cerrado e da Caatinga compuseram a mesa “Desafios da comercialização de produtos da sociobiodiversidade”. Luís Carrazza, da Central do Cerrado, contou um pouco sobre a história da cooperativa que foi formalizada em 2010 e hoje já trabalha com 220 itens, 21 cooperados, de 35 organizações, de oito estados. “Estamos com o objetivo de apresentar o Brasil para o brasileiro. É um desafio muito grande promover esses produtos, custa muito fazer com que as pessoas consumam fora do seu local de origem”, constatou. A Central do Cerrado foi responsável por fornecer a alimentação durante o Encontro Anual do Bem Diverso. Nos três dias de evento, os participantes conheceram um pouco mais sobre os sabores da Região.

A Central da Caatinga é mais recente. Foi formalizada em 2016 e, por meio do Bem Diverso, está recebendo uma consultoria da equipe da Central do Cerrado. De acordo com Adilson Ribeiro, hoje a Central da Caatinga conta com sete cooperados de três estados brasileiros. Para ele, a estratégia de trabalhar em rede abre portas e oportunidades de mercado. “Então veja de onde saímos: recebíamos cesta básica com data de validade vencida e hoje somos donos do nosso próximo negócio”, comemorou.

Autonomia das mulheres
Histórias e experiências de mulheres na luta por autonomia no campo e na construção do conhecimento foram apresentadas durante todo o evento por diversas participantes, que detalharam sua trajetória para assumir o protagonismo nas comunidades. Karla Hora, professora da Universidade Federal do Goiás, Ana Margarida Castro Euler, da Embrapa Amapá, Joaquina Malheiros, representante da Associação de Trabalhadoras Agroextrativistas da Ilha das Cinzas, e Ismália Afonso, do PNUD, abriram mesa de debate exclusiva sobre este tema. Com presença expressiva durante todo o evento, mulheres de várias regiões do país também assumiram a palavra durante uma roda de conversa e contaram suas histórias.

Bruna Lima de Souza foi uma delas. Aos 23 anos, ela contou o que é ser a primeira mulher, jovem e negra a assumir a presidência do CTA do Acre. “Quando a gente faz isso [um debate sobre mulheres], a gente fala de sororidade, é um movimento de mulheres para mulheres”, afirmou.

Educação contextualizada
Atualmente, no Brasil, há iniciativas educacionais que possibilitam o acesso e a inclusão de populações tradicionais no sistema de ensino, respeitando seus saberes e buscando a manutenção dessa população no campo. Exemplo disso são as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), que utilizam a pedagogia da alternância, por meio da qual o estudante passa 15 dias nas escolas e 15 dias na propriedade, onde também desenvolvem atividades pedagógicas e técnicas do que foi aprendido em aula.

Nelson Mandela – como ficou conhecido – apresentou a realidade da EFA de Monte Santo, na Bahia. A escola atende duas comunidades e seis assentamentos rurais. Ao todo, são 600 alunos dos ensinos fundamental, técnico e superior. Para ele, o desafio é mostrar para os jovens que a Caatinga é um lugar bom de se viver: “Escolas tradicionais trazem inconscientemente a perspectiva de que o urbano é melhor. Nesses nossos momentos de sala de aula, a gente procura trazer a valorização do ambiente”.

O professor do Instituto Federal Baiano Aurélio Carvalho tem a mesma percepção de Mandela. Ele contou sobre como um projeto de pesquisa e extensão com o licuri despertou nos estudantes da região uma identificação com a terra e com o que é local.

A professora da Universidade de Brasília, Mônica Nogueira, apresentou o processo de criação do Mestrado em sustentabilidade junto a povos e terras tradicionais (MESPT), que prioriza a formação de alunos de comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas e geraizeiros. Com quatro eixos temáticos: sustentabilidade, interdependência e territorialidade, o mestrado está em sua quarta turma. “Nossa proposta é pensar novas formas de construir conhecimento, aliar o conhecimento científico com o conhecimento tradicional, pelo convívio dessas pessoas, aguçar as percepções” explicou Mônica.

Cerrado, Caatinga e Amazônia
Durante os três dias de debates, comunidades e técnicos apresentaram ações transversais para o Cerrado, Caatinga e Amazônia, com produtos como babaçu, açaí, umbu, pequi e licuri.

Gizele Oliveira, do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, falou sobre o processo de recaatingamento e a importância da recuperação da Caatinga. O bioma também foi tema central das falas do superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Pernambuco, Francisco Campello, que abordou as políticas públicas para o uso sustentável, e de Fabricio Bianchini, da Embrapa Semiárido, que apresentou a fruticultura de sequeiro com espécies nativas.

Denise Santos, presidente da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, que expôs os desafios da produção do Umbu e o fundador da Agendha, Mauricio Aroucha liderou o debate sobre os desafios para a manutenção de sistemas produtivos tradicionais.

O manejo dos açaizais da Amazônia foi apresentado pelos técnicos da Embrapa Silas Mochiutti, José Leite de Queiroz e Raimundo Nonato. Os técnicos da Embrapa Cocais José Frazão e Joaquim Costa apresentaram, respectivamente, o trabalho para o desenvolvimento de máquinas para processar o babaçu e possibilidade do uso do resíduo desse fruto como ração para ruminantes.

O babaçu também foi protagonista no Encontro. Ronaldo Sousa, da Assema – organização liderada por trabalhadores rurais e mulheres quebradeiras de coco, abordou os desafios da produção industrial e Roberto Porro, técnico da Embrapa da Amazônia Oriental, falou sobre a importância do babaçu para os meios de vida. Os erros e acertos da Licuri do Brasil foram apresentados por Deusedete Guirra.

Alto Rio Pardo
Representando o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, Nondas Silva falou sobre o trabalho da instituição na restauração de serviços ambientais no Alto Rio Pardo. A atuação do Bem Diverso nesta Região foi amplamente debatida no último dia do evento, onde os presentes puderem ouvir relatos e conhecer a experiência de Anderson Sevilha, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o geraizeiro Moisés Oliveira, Valdir Silva e Edianilha Ribas, da Rede de Jovens Comunicadores, e Lúcia Agostinho, da Cooperativa de Extrativistas da Comunidade Água Boa.

Também no dia de encerramento de evento, representando a Fundação Ford, o antropólogo Aurélio Vianna Jr. apresentou a situação atual de terras demarcadas para comunidades tradicionais, falou também sobre a importância dessas populações para a conservação da biodiversidade e como elas ajudam a mitigar o efeito das mudanças climáticas.

Segundo ele, hoje o Brasil possui 160 milhões de hectares de terras demarcadas e garantir a existência de projetos como o Bem Diverso é algo estratégico para os territórios titulados e não titulados. "Isso auxilia a comunidade a lutar pelos seus direitos. Sem uma organização forte das comunidades, será difícil avançar nas agendas da garantia de direitos", concluiu.

Atividades futuras
De acordo com Fernando Moretti, Assessor Técnico do Projeto, o rico debate e compartilhamento de ideias durante os três dias de evento foram importantes para o planejamento das atividades futuras e servem de inspiração a todos os envolvidos no Bem Diverso. "O conteúdo apresentado e discutido em cada mesa e as sugestões apresentadas serão sistematizadas e disponibilizadas aos envolvidos nas atividades nos territórios, servindo de insumo para os planos de trabalho para as próximas atividades, bem como de novas parcerias" afirma Moretti.

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