Bem Diverso inicia série de encontros sobre restauração do Cerrado mineiro

A ideia é unir conhecimentos científico e tradicional para a recuperação de áreas degradadas pela monocultura do eucalipto e mineração de quartzo

Envolver agricultoras e agricultores familiares, estudantes, técnicos e técnicas da região do Território da Cidadania (TC) Alto Rio Pardo, em Minas Gerais, na troca de experiências em manejo e restauração de cerrados é o principal objetivo de encontro realizado pelo Projeto Bem Diverso (PNUD/GEF/EMBRAPA), entre os dias 19 e 22 de setembro, na Comunidade de São Modesto, município de Montezuma. Esse é o primeiro módulo de uma série de três encontros, que têm por finalidade a recuperação das nascentes e das áreas de recarga da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Nascentes Geraizeiras, além de suas matas de galeria e ciliares, que foram comprometidas pelas atividades florestais, com destaque para a monocultura do eucalipto, e mineração de quartzo que se faziam na área da reserva.

As boas vindas de Valdir da Silva, vice-presidente da Associação da Comunidade de São Modesto deram início ao momento que reuniu pessoas que lutam por uma mesma causa: “É um prazer enorme receber todas e todos aqui, pessoas engajadas na luta pela recuperação das nascentes do nosso território comum”.

A atividade também foi um espaço de relembrar e conhecer a história da criação da RDS Nascentes Geraizeiras. Para Anderson Sevilha, Pesquisador da Embrapa e responsável técnico das atividades do Bem Diverso no TC Alto Rio Pardo, unir as comunidades fortalece a causa: “Ao envolvermos pessoas de diversos territórios no trabalho de recuperação das oito microbacias iniciais, já estamos plantando a semente para a multiplicação dessa ideia em toda a região”.

Durante o encontro foi explicado que, em geral, as técnicas de restauração utilizadas nas vegetações savânicas e campestres do Cerrado são importadas de sistemas florestais como a Mata Atlântica e de atividades como a silvicultura, que envolvem o plantio de mudas de árvores. Como as espécies escolhidas para o local não são as mais adequadas – por não terem a mesma capacidade de auto-regeneração que as espécies nativas – e não é realizado um controle efetivo de espécies invasoras, como as gramíneas africanas (capim-braquiária) usadas para pastagem, essas áreas tendem a queimar devido ao acúmulo de combustível fino formado pelas folhas das gramíneas e à falta de adaptação ao fogo das espécies introduzidas. Isso ocasiona a perda total do investimento e o retorno da área para um estado degradado.

Alexandre Sampaio, pesquisador do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), defende que, para melhorar a eficiência e eficácia dessas técnicas, deve-se conhecer a ecologia do Cerrado, identificar a interação de suas espécies com a água, solo e fogo. “As plantas do Cerrado são acostumadas com a falta de água e o forte calor, ao contrário do eucalipto. No Cerrado existem mais de cinco mil espécies de arbustos e ervas, mais de 700 espécies de árvores e plantas tolerantes ao fogo que, após a queima, brotam do tronco, base ou até mesmo pelo rizoma”, disse Alexandre. Segundo ele, uma das técnicas já desenvolvidas que tem demostrado sucesso na restauração ecológica do Cerrado é a semeadura direta, que permite reintroduzir todos os estratos do Cerrado, incluindo ervas, arbustos e árvores, o que por meio de mudas seria inviável.

O Pesquisador da Empraba Cenargen presente no encontro, Daniel Vieira, apresentou métodos de restauração ecológicos. “Para isso é necessário entender os obstáculos e as possibilidades de regeneração natural, fazer uso de técnicas agrícolas desenvolvidas há séculos, para acelerar o retorno da vegetação nativa e baratear os custos”, orientou. “Também é preciso experimentar e observar como a vegetação está se modificando, mas também é necessário reconhecer que há incertezas. O ideal é que se faça o diagnóstico da área com base no que vocês sabem e têm experiência, e ir monitorando”, completou.

Práticas de campo

Além dos momentos expositivos conduzidos pelos pesquisadores sobre o histórico da ocupação da paisagem do Alto Rio Pardo, as características do Cerrado e os métodos de restauração, foram realizadas práticas de campo, que envolveram o reconhecimento de espécies adequadas para restauração e coleta de sementes nos arredores; demonstração de como construir barraginha; leitura de paisagem a fim de conhecer a área a ser restaurada e desenhar o plantio; beneficiamento e armazenamento de sementes.

Ao final das atividades de campo, foi realizada uma mística no “pequizeirão”, local simbólico de fundação da RDS Nascentes Geraizeiras, onde o agricultor Zé da Silva relembrou a história de luta da RDS e como o maior e mais resistente pé de pequi da região se tornou guardião dos Geraizeiros. “Ninguém conseguiu cortar o pequizeirão e se não fosse a ocupação e suas lutas frequentes, não existiria a RDS”, revelou. “Este curso está sendo dado dentro de uma RDS resgatada com muita luta pela comunidade para proteger as nascentes, restaurar o foi perdido e manter o que está vivo”, acrescentou. Assim, o agricultor reforça o compromisso de todos e todas de colocar em prática os conhecimentos adquiridos. As 22 comunidades ali representadas se comprometeram ainda em coletar sementes em suas regiões e trazer para uma nova restauração, que será de uma área maior.

Ao todo, o encontro contou com 60 participantes entre agricultores e agricultoras da RDS Nascentes Geraizeiras e entorno e do TC Alto Rio Pardo; estudantes da Escola Família Agrícola Nova Esperança, do Instituto Federal de Salinas e da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri; e técnicos locais de Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM), ICMBio, Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF/MG), reflorestadoras da região e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater).

 

Edianilha Ribas (Jovem Comunicadora Geraizeira) com a colaboração de Paula Lanza (Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA-NM)

 

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