A coleta da castanha-do-brasil é a principal atividade extrativista da Reserva Chico Mendes e a comunidade do Seringal Porvir, em Epitaciolândia (AC), celebra o avanço das atividades do “Projeto Castanhal, o uso sustentável da sociobiodiversidade”, que tem como objetivo estruturar a cadeia produtiva e promover a criação de uma economia de base extrativista aliada à conservação florestal. Nessa primeira etapa, foram construídos seis armazéns familiares para beneficiamento de castanha e entregues duas carroças e uma caminhonete 4×4.
O projeto foi elaborado com apoio do Bem Diverso, também responsável por sua inscrição no edital Ecoforte, seleção pública destinada a associações de base extrativista vinculadas a unidades de conservação federais, cuja aprovação viabilizou sua realização.
Com recursos do Fundo Amazônia, sob gestão da Fundação Banco do Brasil (FBB), acompanhamento técnico da Embrapa e Bem Diverso, o projeto tem como objetivo promover a criação de uma economia de base extrativista e a conservação florestal.
No Seringal Porvir, a execução do projeto é liderada pela Associação dos Pequenos Produtores Rurais e Extrativistas Wilson Pinheiro, que representa cerca de 50 famílias da comunidade, composta basicamente por extrativistas e pequenos produtores rurais.
Em desenvolvimento desde março de 2018, beneficiando diretamente 40 famílias, o projeto apresenta duas principais linhas de atuação: a melhoria da infraestrutura para a produção da castanha e o apoio à estruturação logística de transporte da produção local. Nos últimos 20 anos, a Embrapa Acre desenvolve pesquisas em comunidades da Reserva Chico Mendes sobre o manejo da castanha, desde o mapeamento até a adoção de boas práticas, mas havia a carência de um projeto que estruturasse a cadeia extrativista.
“O destaque desse projeto é a estruturação. A Associação Wilson Pinheiro é referência em manejo de castanha, resultado de vários estudos da Embrapa, mas os extrativistas não conseguiam fazer o manejo conforme foram capacitados, porque não tinham armazém individual e nem transporte para buscar um mercado diferenciado”, explica a pesquisadora da Embrapa, Lúcia Wadt.
Infraestrutura e logística
A associação já conta com dois armazéns comunitários para estocar castanha, mas era preciso que cada extrativista tivesse um armazém individual para fazer a secagem correta do produto para evitar a contaminação por fungos, decorrente da alta umidade da região. A secagem é uma etapa importante no beneficiamento da castanha e agrega valor na comercialização da lata, que pode pesar 10,3 quilos.
Ao todo, serão construídos 40 armazéns familiares, que serão utilizados já na próxima safra, entre os meses de janeiro e março. Com o andamento das obras, um armazém leva em média dois dias para ficar pronto e tem capacidade para armazenar 540 sacas de castanha. Sua estrutura é de madeira, revestida com tábua e tela na parte superior, de modo a facilitar a circulação de ar e a secagem da castanha, que deve ser revolvida periodicamente.
Para dar suporte à estruturação logística de transporte da castanha, a comunidade recebeu uma caminhonete 4×4, com carroceria, que possibilitará a busca de novos mercados, realizando vendas diretas às agroindústrias, sem a necessidade de atravessadores. Hudson Nardi, analista da Embrapa responsável pelo setor de Campo Experimental e Transporte, participou da atividade de entrega da caminhonete e sugeriu mecanismos de gestão coletiva do veículo e destacou a importância dos cuidados com a manutenção.
“Além de ser um meio de transporte da castanha, o veículo pode representar uma fonte de renda para a associação, se for utilizado como prestação de serviço, no frete de passageiros e da produção local, que, além da castanha, inclui farinha, mandioca e banana”, sugere o analista.
Para facilitar a retirada dos ouriços de castanha de dentro da mata, a comunidade irá receber cinco carroças, das quais duas foram entregues nessa primeira etapa. Conduzida por uma junta de bois, a carroça consegue trafegar pelo carreador, caminho estreito aberto na mata que dá acesso às castanheiras, onde não é possível chegar com caminhonete ou quadriciclo.
O extrativista Jurandi Moura, morador da Reserva Chico Mendes desde 1993, considera que sua comunidade é privilegiada por ser contemplada pelo Projeto Castanhal, mas ressalta que é preciso união para vencer qualquer adversidade. “Se trabalharmos juntos, mano a mano, todo mundo ganha e nós temos condições pra isso. Temos armazéns, carro, carroça, tudo o que precisa para encarar o trabalho”, explica.
Liderança comunitária
Os cuidados com o manejo da castanha começam na mata, no momento da coleta, até o armazenamento no galpão. O extrativista deve usar equipamento de proteção individual, como luva, bota e capacete, e os ouriços não podem ser amontoados por mais de três dias na mata, antes de serem quebrados. “Todo dia, gosto de sair de casa com minha roupa limpa, levando meu terçado enrolado em um saco para não sujar. E o terçado de cortar ouriço é usado somente para cortar ouriço”, conta o extrativista Severino Brito, mais conhecido como seu Silva.
Ele chegou à região aos cinco anos de idade e desde os 16 passou a se envolver com movimento sindical, assumiu diversas funções, como presidente de associação e delegado do Sindicado dos Trabalhadores Rurais. Hoje, aos 62 anos, seu Silva é umas das principais lideranças comunitárias da Reserva Chico Mendes e responde como representante do Núcleo de Base, ponto de apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para gestão da reserva.
Ao longo de sua trajetória, seu Silva acompanhou momentos de avanços e retrocessos, sem deixar de acreditar na organização social e na mobilização comunitária para buscar novas oportunidades de desenvolvimento, desde capacitação em cursos de boas práticas até o envolvimento em projetos de incentivo, como o Castanhal. “Faltava pra gente conhecimento sobre o mercado de compra e venda. Quando se tem conhecimento, tem condições para melhorar de vida”, acredita.
Seguindo os rumos do pai no envolvimento comunitário, Rozinei Brito é o atual presidente da Associação Wilson Pinheiro. À frente da execução do projeto, ele assume responsabilidades que, muitas vezes, o fazem deixar de lado suas necessidades pessoais por um objetivo maior. “Cresci ouvindo as histórias do meu pai, tendo esses ensinamentos, que despertaram em mim a vontade de ajudar as pessoas de alguma forma”, justifica.
Na sucessão de gerações, o desafio continua o mesmo: encontrar mecanismos de valoração dos atributos florestais, reduzir o desmatamento e a degradação ambiental. Mas para uma comunidade que tem o “por vir” no nome, o futuro em construção pode ser melhor do que já foi um dia.
Bem Diverso
O Projeto Bem Diverso desenvolve ações para a conservação da biodiversidade e manejo sustentável dos recursos naturais em paisagens florestais e sistemas agroflorestais de três biomas brasileiros, Amazônia, Cerrado e Caatinga, denominados Territórios da Cidadania. Fruto da parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com recursos do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), o Bem Diverso busca assegurar os modos de vida das comunidades tradicionais e agricultores familiares, proporcionando renda e qualidade de vida.
Para dar suporte administrativo e operacional às atividades do Projeto Castanhal, o Bem Diverso assumiu a contrapartida financeira da Associação Wilson Pinheiro, no valor de 47 mil reais. Os recursos têm sido aplicados na contratação de um técnico local para apoio administrativo e financeiro às atividades do projeto, pagamento de diárias a prestadores de serviços e aquisição de materiais de consumo. O Bem Diverso promoveu também um intercâmbio de extrativistas da Associação Wilson Pinheiro com um grupo de cozinheiras e produtores da Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer, em Juruena, no Mato Grosso, com o objetivo de estimular a organização da produção e a busca de novos mercados.
Texto e foto: Bleno Caleb, jornalista e técnico local do Bem Diverso no TC Alto Acre e Capixaba.