No dia em que se celebra a Caatinga, não podemos nos esquecer de prestar homenagem a seus povos tradicionais. Em artigo, a pesquisadora da Embrapa Semiárido Paola Bianchini presta sua reverência.
Dia 28 de abril é Dia da Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro. Isto significa que muitas espécies encontradas aqui não existem em nenhuma outra parte do planeta. A Caatinga se espalha por 850 mil km², ocupando 10% das terras do país e grande parte do Nordeste na região do Semiárido. Diversas Caatingas são observadas em geoambientes, que refletem também diversidade sociocultural e formas de ocupação históricas.
Celebrar a Caatinga é também prestar homenagem aos seus povos, que desde a pré-história convivem com a região com cerca de 10.000 anos. Povos caçadores-coletores e agricultores habitavam a região antes da invasão europeia e desenvolveram práticas, ferramentas, técnicas e tecnologias de convivência em diferentes aspectos da vida social. Vestígios de cerâmicas, urnas funerárias, artefatos, pinturas rupestres são vastos no Parque Nacional da Serra da Capivara (PI) na Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia, com destaque para as ocupações pré-históricas encontradas às margens do rio São Francisco.
A formação da Caatinga é complexa e biodiversa. Evoluiu em um ambiente com características edafoclimáticas específicas, mas heterogêneas entre si, envolvendo fatores bióticos e abióticos, habitada e, portanto, manejada por populações humanas por milhares de anos. A intensidade de manejo variou nas microrregiões em diferentes épocas, sempre em estreita relação com os ciclos de seca.
Assim, as interferências humanas podem aumentar ou diminuir a biodiversidade e, portanto, a complexidade das relações ecológicas estabelecidas. A Caatinga é o bioma brasileiro onde se encontra o menor número de unidades de conservação. É também, do ponto de vista científico, o menos conhecido. A Caatinga abriga cerca de 50% dos agricultores familiares do país e é marcada por uma (des)estrutura fundiária que os afeta diretamente.
A forma de ocupação preconizada a partir da colonização resultou em cerca de 200 mil km² de terras degradadas/desertificadas no Semiárido. Em processo de degradação encontram-se outros 600.000 mil km², com impactos sociais, econômicos e ambientais. No entanto, coexistem com modelos de exploração intensiva e degradante, modos de vida seculares que resistem e conservam grandes áreas de Caatinga em pé por estabelecerem uma forma de gestão territorial comunitária, ancorada no uso sustentável dos recursos naturais.
As comunidades Fundo Pasto, organização social articulada com uso de áreas individuais e coletivos, atividades de criação animal, agricultura e extrativismo, relações de parentesco e compadrio com trocas de trabalho por reciprocidade são exemplo.
Que possamos comemorar e homenagear nosso bioma, reverenciando os povos da Caatinga, fundamentais e imprescindíveis para o nosso futuro.
Paola Cortez Bianchini é pesquisadora da Embrapa Semiárido e ponto focal do Projeto Bem Diverso no Território da Cidadania do Sertão do São Francisco