O objetivo da visita foi acompanhar as atividades executadas de extrativismo sustentável e sistemas agroflorestais, e estabelecer diálogo com potenciais parceiros institucionais com expertise e conhecimento local para desenvolver ações conjuntas.
Entre os dias 14 a 17 de março de 2017, o Projeto Bem Diverso por meio de sua equipe técnica de Brasília (DF), realizou uma missão para o Território da Cidadania (TC) Sertão de São Francisco, localizado no estado da Bahia, com o objetivo de acompanhar as ações executadas no local e estabelecer diálogo com potenciais parceiros institucionais com expertise e conhecimento local para desenvolver ações conjuntas. Na oportunidade, a equipe também participou de um seminário que discutiu alternativas para lidar com a estiagem prolongada que se estabelece na região do semiárido.
Relatos sobre a convivência produtiva com a seca
Os desafios de se produzir com escassez de água, foi tema do seminário “Convivência Produtiva com a Seca: Soluções Tecnológicas e Estratégias de Ação”, promovido pela Embrapa Semiárido, nos dias 14 e 15/03, em Petrolina (PE). O evento discutiu estratégias produtivas apropriadas a situações de seca prolongada, a partir das soluções tecnológicas desenvolvidas pela Embrapa, por instituições parceiras e por experiências exitosas de Assistência Técnica Rural (ATER), de agricultores familiares e produtores rurais. Vários pesquisadores da Embrapa Semiárido, de instituições de ensino e pesquisa e ONGs debateram junto com uma plateia com mais de 500 participantes, temáticas pertinentes à resiliência de sistemas produtivos adequados ao semiárido. Para o Projeto Bem Diverso ouvir os relatos dessas experiências permitiu conhecer mais de perto a realidade de diversas regiões do semiárido nordestino que compartilham o mesmo desafio de sobreviver em áreas muito secas.
Conhecendo o IRPAA e suas ações
Na ensolarada manhã do dia 16/03, a equipe do Projeto conheceu a sede do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, o IRPAA, uma organização não-governamental sediada em Juazeiro (BA) que há mais de 20 anos trabalha em prol da convivência com o semiárido desenvolvendo soluções adequadas às especificidades socioambientais da região. O agrônomo e presidente do IRPAA, Haroldo Schistek, recebeu os visitantes saudando em especial a antropóloga Marsha Hanzi, que integrou o grupo de visitantes na primeira parte da agenda do dia. Marsha é precursora da permacultura no Brasil e relatou que junto com Haroldo, realizou o primeiro curso de permacultura no país, há mais de 25 anos.
Para entender a filosofia que guia as ações do IRPAA, Haroldo explicou que é preciso desconstruir conceitos empregados erroneamente de “combate a seca”, adotado desde o regime militar. De acordo com o agrônomo, o termo “seca” caracterizaria uma situação climática específica de falta de chuva numa região que apresenta regularidade pluviométrica. Esta situação não se aplica ao semiárido brasileiro, que é uma região onde sempre houve baixo índice pluviométrico. Assim, o termo “convivência com o semiárido” é muito mais adequado, pois pressupõe entender o comportamento da natureza nessa região, para assim organizar os meios de vida conforme os recursos disponíveis.
“Nunca vamos vencer uma batalha que não existe, nunca vamos combater a seca, o que fazemos é minimizar os seus efeitos. Se até hoje se pensa dessa forma é porque os governos e a sociedade brasileira desconhecem a Caatinga”, afirmou.
Saindo da sede do IRPAA, Haroldo levou os visitantes até o Centro de Formação Dom José Rodrigues, localizado a 12 km do centro de Juazeiro, na comunidade de Tourão. Trata-se de um espaço do Instituto dedicado à formação complementar de jovens de famílias de pequenos agricultores da região, em temas relacionados à vida no semiárido. “Esses conteúdos normalmente não fazem parte da grade curricular do ensino formal. Assim, grande parte dos jovens que recebem formação aqui são absorvidos pelo mercado local de trabalho”, contou.
O Centro ocupa uma área de 30 hectares, dotado de restaurante, sala com internet, biblioteca, e dormitórios com capacidade para até 60 pessoas. Também dispõe de áreas com plantio de hortaliças, frutas e outros tipos de plantas nativas da caatinga ou adaptadas, que são fontes de alimentos para os animais criados no local, como as cabras e ovelhas.
Conhecendo as iniciativas do Projeto GLOB
Encerrando a agenda do dia 16, a equipe do Bem Diverso esteve no evento: “Usina de Ideias do Projeto GLOB — Fortalecimento do Sistema Produtivo do maracujá-da-caatinga e Pesca Artesanal”, realizado em Juazeiro (BA). O Projeto GLOB (Governança Local para a Biodiversidade) após quatro anos está em fase final de execução. Teve como foco o fortalecimento dos sistemas produtivos do maracujá-da-caatinga (Passiflora cincinnata), da pesca artesanal, e das ações de preservação e desenvolvimento agrobiodiversidade local. O evento foi realizado pelo movimento Slow Food, IRPAA, Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado da Bahia e Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes (Cospe). Na ocasião, Edson Guiducci Filho, apresentou o Projeto Bem Diverso destacando ações semelhantes às do Projeto GLOB, reiterando a possibilidade de parcerias.
Na oportunidade, equipe técnica do Bem Diverso também conversou com Paulo César do IRPAA, responsável por uma iniciativa financiada pelo Programa EcoForte, que tem ações que vão desde recuperação ambiental de áreas de caatinga, até apoio a comercialização de produtos da sociobiodiversidade local. Da mesma forma, o Bem Diverso reiterou a sua abertura para parcerias. “Um dos pilares do Projeto é fortalecer iniciativas locais que já estão em curso nos TCs”, afirmou Edson Guiducci Filho.
Na EFA de Sobradinho equipe conhece a Fruticultura de Sequeiro
O último dia de visitas, 17/03, começou na Escola Família Agrícola de Sobradinho (EFAS), localizado em Sobradinho (BA). A EFAS nasceu do contexto do pós-construção da Barragem de Sobradinho, há mais de 25 anos, onde muitas famílias foram relocadas após terem tido suas casas e terras cobertas pelo lago. Tem o propósito de atender os anseios das comunidades rurais propiciando estudo básico diferenciado para as/os jovens, dialogando com a problemática da ausência ou má qualidade da educação formal na área rural. É de ensino fundamental e médio profissionalizante, com pedagogia da alternância. No local estudam 180 jovens, assistidos por 20 profissionais de ensino. A escola integra a Refaisa — Rede das Escolas Família Agrícola do Semiárido e é mantida basicamente pelos pais dos alunos e por apoios de projetos implementados pelo IRPAA.
Os professores Bruno, Ivo e Aelson apresentaram as dependências da escola para os visitantes, destacando o banco de sementes, viveiro e as áreas produtivas, onde está instalada uma unidade demonstrativa do projeto “Fruticultura de Sequeiro”, iniciativa apoiada pela Governo da Bahia em parceria com a Embrapa Semiárido. A fruticultura de sequeiro é um sistema de cultivo de base agroecológica com espécies frutíferas nativas de ambiente semiárido resistentes a longos períodos de estiagem, consorciadas com outras espécies como as forrageiras (palma, algaroba e etc), anuais (milho e feijão) e outras frutíferas. Para o semiárido, a fruticultura de sequeiro viria ser o que em outras regiões do Brasil são chamados os SAFs (Sistemas Agroflorestais). Nos canteiros da unidade demonstrativa encontram-se plantados o maracujá-da-caatinga, quatro variedades de umbu (gigante e intermediário, cajá e umbuguela), plantas forrageiras, anuais e hortaliças.
É parte do projeto Fruticultura de Sequeiro levar mudas produzidas no viveiro da escola para propriedades de alunos selecionados no ensino médio, a fim de apoiar a formação dos estudantes, com o Plano Profissional do Aluno e melhorar a renda dessas famílias a partir da integração desses cultivos nas atividades das pequenas indústrias de beneficiamento e processamento desses frutos.
Cachoeirinha, referencia de resistência entre as comunidades de Fundo de Pasto
Entrecortada por estradas de terra cercadas por densa mata de caatinga, a comunidade Fundo de Pasto Cachoeirinha, localizada a 70 km de Juazeiro, foi o último local visitado pela missão do Bem Diverso. A visita deve-se à possibilidade de o Projeto apoiar ações em curso desenvolvidas na comunidade, pela Embrapa Semiárido e pelo IRPAA.
Os Fundo de Pasto se caracterizam por vastas áreas de caatinga nativa preservadas por comunidades tradicionais do semiárido brasileiro, que mantém forte vínculo com a terra e com seus conhecimentos sobre manejo da fauna e flora. Criam cabras e ovelhas em áreas coletivas de mata de forma sustentável, sem sobrecarregar os recursos naturais. Muitas dessas comunidades lutam pelo reconhecimento territorial, cuja falta de políticas públicas adequadas acabam ameaçando seu bem viver.
Cachoeirinha ocupa 1.336 hectares de Fundo de Pasto. São cerca de 30 famílias, formadas por agricultores familiares que plantam roças com hortaliças, milho, mandioca e outros. Também criam cabras e ovelhas e, para estes, plantam sorgo, palma e mandacaru. “O sorgo é merenda para nossos animais, mas o que realmente alimenta eles é a caatinga”, afirma Pedro Duarte, mais conhecido como “Pedrinho, umas das principais lideranças da comunidade. A comunidade prefere criar esses tipos de animais por serem mais resistentes aos períodos de estiagem e são mais adaptados à alimentação disponível na caatinga. “Quem cria gado na caatinga é um ousado”, disse Sr. Pedrinho com bom humor. O gado, segundo o mesmo, tem muitos custos econômicos e ambientais, consome muito mais água do que cabras e ovelhas, e não se alimenta de plantas da caatinga, o que requereria desmatar para plantar capim irrigado.
Com mais de 100 anos de fundação, a comunidade já passou por vários períodos cíclicos de estiagem. E de acordo com Sr. Pedrinho, no passado, eles não tinham nenhum tipo de apoio de política pública que os ajudassem a enfrentar os efeitos da seca. “Por conta desses problemas, muitas famílias se mudaram para o Sudeste. Porém, a partir de 1986, nós nos organizamos e fundamos nossa associação, Associação Comunitária e Agro-Pastoril de Cachoeirinha, que começou a lutar pelas melhorias da nossa região e a correr atrás de prefeitura, governo do estado e outras instituições. “Agora as pessoas estão voltando pra cá, e tem lugar pra elas aqui”, disse entusiasmado.
Faz mais de 3 anos que não chove o suficiente para encher todas as cisternas e barragens, entretanto, há água na comunidade. Os moradores conseguem fazer uma gestão múltipla do uso da água, com poços artesianos, cisternas e por meio da aquisição eventual de água de carros-pipa. Sr. Pedrinho alega que todas essas estruturas foram construídas coletivamente. “Não esperamos governo nenhum, nenhuma prefeitura, fizemos tudo com nossas próprias mãos”, contou.
Já faz alguns anos que os moradores da Cachoeirinha resolveram cercar toda sua área devido a invasões de grileiros que exploravam o Fundo de Pasto. Embora a cerca marque os limites da comunidade, ela ainda não garante a posse permanente da terra. Por isso, a comunidade está articulando junto ao governo do Estado da Bahia, o processo de regularização fundiária da sua área por meio da Lei Estadual 12.910/2013, que reconhece o direito à terra e a titula em nome das comunidades de Fundo de Pasto. E mesmo com todas essas salvaguardas, outros problemas continuam ameaçando o bem-estar dessas comunidades. É o caso da implantação dos parques eólicos em áreas de coletivas, sem qualquer processo de consulta. A mineração praticada por empresas que exploram principalmente o minério de ferro, também é um grande vilão para os Fundos de Pasto, pois além de causar degradação ambiental e contaminação do solo, expulsa as pessoas de suas terras. Porém, de acordo com Pedrinho, Cachoeirinha está atenda, protegendo o seu maior bem que é o Fundo de Pasto.
A área que estamos preservando é para nossa história, é para trazer coisas para o nosso futuro. É assim que sobrevivemos fortes e levando a vida enfrente nesse lugar abençoado por Deus”, afirmou.
Visita à agroindústria de Curral Novo
Próximo à Cachoeirinha, na comunidade Curral Novo, se encontra uma agroindústria de beneficiamento de umbu e maracujá-da-caatinga que produz geleias e licores. A equipe deu uma rápida parada para conhecer o espaço que recebe apoio do IRPAA. No local trabalham cerca de 10 pessoas, na maioria mulheres que fazem triagem, limpeza, cozimento e acondicionamento dos produtos. Lá mesmo as geleias e licores são embalados e encaixotados para serem vendidos em diversos pontos de comercialização da região.
Rumos para o Bem Diverso no TC Sertão de São Francisco
Após os dias de imersão com visitas e conversas no TC Sertão de São Francisco, a equipe do Bem Diverso apontou alguns rumos que o Projeto poderá tomar para executar suas ações na região, tendo como implementadores a Embrapa Semiárido e seus parceiros. Tais foram:
· Continuar o apoio das ações de Fruticultura de Sequeiro;
· Apoiar as ações de recuperação ambiental em comunidades de Fundo de Pasto;
· Promover o beneficiamento e a comercialização de produtos da sociodiversidade da caatinga escolhidos pelo projeto, tais como maracujá-da-caatinga, umbu e licuri;
· Contribuir com as manifestações culturais que valorizam o conhecimento local sobre a biodiversidade;
· Promover ações de intercâmbios com experiências exitosas em outras regiões do semiárido;
· Incentivar ações pontuais de valorização dos saberes e sabores relacionados à culinária tradicional;
· Contribuir para o estabelecimento de banco de sementes crioulas nas EFAs;
· Iniciar diálogo para construção de curso de formação em agroecologia para TC;
· Apoiar implantação de sistemas agroflorestais com forrageiros e criação de animais.
Para dar sequencia aos trabalhos já iniciados no Território, o Projeto Bem Diverso vai articular ainda no primeiro semestre de 2017, um seminário para construção de plano de trabalho com a participação dos potenciais parceiros.
De Brasília, a missão foi composta pelo coordenador do Projeto e pesquisador da Embrapa Edson Guiducci Filho, pelo assessor técnico Marcos Tito e pela consultora de comunicação Andreza Andrade. Da Embrapa Semiárido, localizada em Petrolina (PE), participaram Paola Cortez Bianchini, Saulo Aidar e Fabrício Bianchini, todos pontos focais do Projeto do TC que articularam as agendas locais de visitas.